tag:blogger.com,1999:blog-2699424876849248240.post4454819434339452684..comments2023-09-28T15:38:19.157+02:00Comments on Pássaro do Sul: Assim como assim...João Miguelhttp://www.blogger.com/profile/09160330211646072645noreply@blogger.comBlogger3125tag:blogger.com,1999:blog-2699424876849248240.post-14492002332540292152009-10-26T01:01:58.099+01:002009-10-26T01:01:58.099+01:00distingo perfeitamente que me chama
- Menino
Não...distingo perfeitamente que me chama<br /><br />- Menino<br /><br />Não senhor doutor é claro, qual doutor, nunca fui doutor nem quando vagamente o era, chama-me<br /><br />- Menino<br /><br />e não sei responder-lhe. O senhor José saberia. De modo que finjo que não dou por nada, demoro-me por ali um bocado, por acanhamento, por delicadeza, vou-me embora. Há-de chegar um dia em que não me irei embora. Tu, que não conheço ainda, ou imagino que não conheço, ajuda-me a ficar. Ocupo pouco espaço, quase não faço barulho, nunca grito, não incomodo ninguém. Leva-me contigo e ajuda-me a ficar. Tenho as ternuras simples mas aos nós. Como as tuas unhas são mais compridas que as minhas desata-me isto tudo. Mãos impregnadas de nuvens, ossos suaves como leite, vagarosos, certeiros. É bom nascer no instante em que o ar é mais frio do que a água. Trouxe-o aqui no bolso para ti. Há-de haver, nalgum sitio, a minha última casa e o senhor José ao longe.<br /><br />- Menino<br /><br />no terceiro minuto a partir do crepúsculo, não no segundo nem no quarto, a inventar uma flor. Se não te importas conta-me uma história em que as pessoas se casem no fim.<br /><br />[António Lobo Antunes]<br /><br />Porque um dia quero ter a experiência do terceiro minuto a partir do crepúsculo, de mãos dadas contigo!Anonymousnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2699424876849248240.post-44691496978531445512009-10-26T01:01:43.596+01:002009-10-26T01:01:43.596+01:00Miguel, até certo ponto, um ensaio biográfico teu....Miguel, até certo ponto, um ensaio biográfico teu. Este texto tinha mesmo de pousar sobre teu dorso, voar até aqui pelas tuas asas: estar no ramo do Pássaro.<br /><br />Deixo-te outro, para o meu menino:<br /><br />O cheiro das ondas no instante em que o ar é mais frio que a água.<br /><br />Normalmente é no terceiro minuto a partir do crepúsculo que o ar da praia é mais frio do que a água. Não no segundo nem no quarto: no terceiro e durante onze segundos, o que requer discernimento, atenção e paciência. O melhor é encostarmo-nos à muralha, de queixo na palma, vigiar as gaivotas, dar fé na mudança de cor no horizonte e nisto, mal o terceiro minuto começa, tira-se a palma do queixo para que o ar poise nela e aí está: pega-se no ar da praia, mete-se no bolso e leva-se para casa sem deixar entornar. Tem de utilizar-se logo visto que no dia seguinte, a partir das dez já o ar aqueceu. Puxa-se com cuidado do bolso e respira-se devagarinho. Quase sempre, então, os pinheiros estremecem e parece existir, nas mulheres da família, uma espécie de vontade de chorar. Não de tristeza, claro: do facto de existir para sempre, dentro delas, um búzio comovido. Só conheci um homem de mãos tão impregnadas de nuvens quanto as suas: o senhor José, duro camponês de Trás-os-Montes, no jardim dos meus pais, a fazer crescer uma flor com dedos humildes, de ossos suaves como o leite, vagarosos, certeiros. Devia ter tido o bom senso de morrer antes dele para que me fechasse os olhos para sempre. Mas descuidei-me e o senhor José lá está no cemitério, humilde, escalavrado, agreste, a fazer corpo com a terra. O seu sorriso sem dentes, a sua bondade, o pobre, gasto corpo destroçado. A língua de pedra o que dirá agora? Nasceu em São Martinho de Anta, chamava-me<br /><br />- Menino<br /><br />e era muito mais elegante de alma do que eu, de uma delicadeza ia escrever aristocrática, escrevo aristocrática que não possuí nunca: sou feito de cardos e há palavras que deixei secar dentro de mim ou a vida secou. Claro que vou escrevendo, vou respirando, até me acontece, às vezes, orvalhar-me. Mas escondo. Dantes fechava-me à chave na casa de banho para não ver o meu desespero. Depois abria a porta e saía a assobiar. Há alturas em que assobiar custa imenso. Fazia um esforço, conseguia.<br /><br />- Como estás?<br /><br />interrompia o assobio:<br /><br />- Estou óptimo<br /><br />e a noite levantava, sem que ninguém notasse, uma revoada tímida de lágrimas. Podia ser melros ou pombos ou assim, insistia<br /><br />- São melros ou pombos ou assim<br /><br />mas eram lágrimas. As lágrimas também podem fazer ninhos nas árvores ou nas empenas dos telhados. E no entanto qualquer olhar me descerrava como se descerram dedos: pétala a pétala. Tenham paciência não falem comigo agora. Deixem que os grilos principiem a arder. Senhor José. Ao tirar o chapéu ficava sempre a marca na cabeça. Que indignidade eu ter sido feliz, eu ser às vezes feliz. Em agosto passado fiquei a escutar uma avenca contra o muro e a pensar em ti. A seguir abrandou. Uma avenca seca, quase empalhada, um som murcho, constante. Tornei a assobiar um bocadinho. É quase noite agora. Não está ninguém comigo, os sons começam, a pouco e pouco, a transformar-se. Que pena não existirem oliveiras nesta rua. Descobri uma, num canto do Hospital Miguel Bombarda. De vez em quando paro diante dela, encosto a mão ao tronco, a oliveira chama-me<br /><br />- MeninoAnonymousnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2699424876849248240.post-61811848381702458452009-10-25T19:35:48.067+01:002009-10-25T19:35:48.067+01:00Alguem que escreve com força e irreverência...
...Alguem que escreve com força e irreverência... <br /><br />«Viver é escrever sem borracha, não poder passar a vida a limpo.»<br /><br />Porque esta é a verdade que deixa fluir nos seus textos intensos e apaixonantes de realismo.Mirrorhttps://www.blogger.com/profile/04472136410509678022noreply@blogger.com