...
Sinto tantas vezes que não marcho ao mesmo ritmo
E não marcho na mesma direção que o resto das tropas
Como um desalinhado...

João Miguel, O Pássaro do Sul

17/04/2010

COR



Cor

A treva pôs-se
no horizonte obliquo
das ansiedades

A cor nasceu
algures entre o teu sorriso
e o meu peito

O dia corre
o sangue corre
a cor corre
Vida acima

João Miguel, O Pássaro do Sul

A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.

Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.

Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Eluard

3 comentários:

Anónimo disse...

De veres o meu lugar. De me veres só
Apagando a luz do quarto cada noite
No escuro a respirar como um clarão.
De me veres do lado exterior
Muro, fenda no muro e sem força
Para esperar.
De te hospedares em mim. De descobrires
A posição da árvore fixa no crescimento
Da árvore que agora sou circulando com dificuldade
Do fruto cortado
Para ocupar as mãos.
De o veres empunhado como arma
Para afastar o medo.
De veres a casa. De estares à minha beira e no quarto ao lado
Vazio, no vazio búzio
De ocupares o vazio para o libertar.
De veres a pedra branca dos meus olhos
Seixo dos rins
Pedra polida de tanto rebentar
Primavera de si mesma.
De anunciares em silêncio
O nada que salva a minha mão perdida
Remo à superfície teimando contra
O peso da âncora de fechar os olhos
E inclinar
O corpo afogado.
De perdoares. Por ter-me apagado tão longe de te ser luz
De te ser lâmpada horas e horas, à noite
E no Inverno.
Da transparência que engana
A presença do mundo
Da obediência, da aceitação, do enjoo.
De poderes abrir a vida como quem abre a casa
Da casa que tu salvas com um sinal de sangue.
De poderes arrastar a mesa para o centro da cozinha.
De seres para ordenar colinas
Campo cultivado
Encosta e declive da minha vida cobrindo-se de erva.
De seres a bênção, o alimento e abundância
E vasto
Administrador de água em redor dos pés
Dos calcanhares, dos tornozelos
Mendigo, servo, milionário no milagre.
De acordares da espera
Da doença, arbusto que minga sem raiz
Da tua mão - a tua mão pode curar-me -
Pequeno movimento
De o seres às minhas redes
Bunho e bulir
Das folhas na paisagem.
Da casa na paisagem. Estou por terra e vejo já do alto
Com a saliva a saber-me
Ao bolor do chão.
De estar sentado e inútil - como se tudo à minha volta me cegasse -
Apodrecendo a cadeira um odor da terra - como a tempestade -
Cansado, cansado.
Sem força para ver a tua face.

[Daniel Faria]

Em alguns momentos eu fui fortaleza, em outros cansaço...
Mas em todos, foste tu que me "acendeste", Miguel.
Amo-te.

Anónimo disse...

Todas as minhas fontes vêm de ti
As nascentes
E amo-te com a constância do moribundo que respira
Já sem saber de que lado o visita a morte

Procuro a ligação entre ti e a luz muito miudinha depois dos temporais
Entre a luz e os estilhaços das ruas bombardeadas
Desconheço o colar onde unes tudo

Procuro entender como é que moldas
Os meus pés ao equilíbrio que os desloca no chão
Sei que és tu que me levantas
Que remendas o meu corpo cada dia

Em ti encontro a pulsação
Que rebenta - uma artéria como nunca
Tinha jorrado. Cratera onde durmo
Recluso, árvore à chuva
Em dificuldade extrema
De respiração

Ponho a cabeça entre os ramos, lanço os braços para fora
Como um pássaro entre um bando
De disparos

Tu moves as agulhas, tu unes de novo
As minhas asas à curva do céu

[Daniel Faria]

Meu anjo, são dois dos meus poemas preferidos desse escritor.
E diante das cores que me pintas tu, eu aquarelo-me.
És lindo.

Branca disse...

"A cor nasceu
algures entre o teu sorriso
e o meu peito"

Tão lindo, magnífica imagem, tantas cores de felicidade entre as palavras e as imagens.

A vida assim vivida tem com toda a certeza mais cor.

Adorei todos os poemas.
Muito lindo este post.
Parabéns
Beijinhos
Branca