...
Sinto tantas vezes que não marcho ao mesmo ritmo
E não marcho na mesma direção que o resto das tropas
Como um desalinhado...

João Miguel, O Pássaro do Sul

17/07/2010

Sábado à Noite


É Sábado à noite, ausentam-se do mundo sem mesmo sequer o terem habitado um pouco.
Fogem do diário, mesmo sendo hoje sem futuro e sem mesmo o sonharem ou minimamente sentirem.
É Sábado, e com o escurecer não há senão a ânsia de ser um "eu" mais brilhante e atraente, mas tão simplesmente um "eu". Oco e mentiroso, invólucro dourado cheio do vento pútrido do óleo derramado, do sangue virgem violado, cheiro de pólvora nas mãos dos nossos filhos, da memória desonrada, dos que lutaram por verdade, liberdade e igualdade.
É sábado, e amanhã, o vazio ressoa, ecoa e martela as cabeças devolutas, ausentes do que são, donde vêm para onde vão.
No sábado à noite, sonho estar entre os que se dão direito a uma pausa da sua cidadania global, os que alegram com o brilho interior emanante no olhar, de bem com sua alma por se sentirem parte do todo que sou eu e tu e todos os outros seres viventes.
No sábado à noite, a vida continua, e tenho vontade de não me importar com quem não se importa. De não estar com quem não está. De não ser como os que só querem parecer. Ausentar-me também, de quem é ausência.
Mas é sábado e amanhã é outro dia, e ressacas de vida in-vivida, ausen-vida, depri-vida, doem ao espelho antes de nos mostrarmos ao dia. E eu quero sempre gostar um pouco de mim.

João Miguel, O Pássaro do Sul

2 comentários:

Anónimo disse...

Já quebrei taças, trinquei espelhos...
E só quando me despenteei diante de mim, e aprendi a ver-me nua, despida do meu próprio corpo, e só quando toquei meu caráter sem pudor, aprendi a gostar do que sou, mas principalmente, respeitar meu caminho dentro do tempo.

Tenho meus cortes.
Mas foram eles que me disseram do sangue que carrego.

...

Isso antes para dizer de como se torna insuportável quando se recusa o "eu" que somos e se corre atrás de um "eu" que modelamos...

João Miguel,

Que reflexão!!!

[Orgulho imenso de ti, meu anjo...]

Branca disse...

João Miguel,

Meu amigo, embora só agora escreva neste post, já havia passado por aqui e como a Katyuscia também digo: que reflexão! E só não ponho os três pontos de exclamação porque ela tem o direito de ficar com mais, :))

Com tanta profundidade, eu quero um dia aqui em Portugal passar um Sábado à noite convosco,
"...estar entre os que se dão direito a uma pausa da sua cidadania global, os que alegram com o brilho interior emanante no olhar, de bem com sua alma por se sentirem parte do todo que sou eu e tu e todos os outros seres viventes."

e ficarmos todos a gostarmos um pouco mais de nós.

Beijinho de muita amizade.
Branca